25 de abril de 2013

sussuarana

alemão e russo
também fica triste
mas mais triste que brasileiro
não existe

com voz velha grave
voz velha aguda
a tristeza brasileira
é doída, miúda,
silenciosa
muda

tem som de violão
de choro
de palma
a tristeza brasileira
tem gosto de barro
de madeira
de sonho menino
e de homem decepção

alemão e russo
também fica triste
mas mais triste que brasileiro
não existe

brasil tem tanta poesia
mas algumas só o santo sabe
a saudade que deixaram no canto
não dá em verso
não dá em frase
mas em soluço
cabe.

alemão e russo
também fica triste
mas só o brasileiro
tem tristeza que pesa.

verdadeiro,
palavra errada,
pra mode doer
em quem também
é brasileiro.

21 de abril de 2013

Eu esperei por esta noite uma semana

Café quente e sem açúcar no copo de vidro é a coisa que mais lembra minha infância no Rio de Janeiro.
Descíamos para tomar café da manhã numa padaria que ficava na esquina de casa. O bairro cheio de árvores e gente saudável trazia bom humor. Até o homem bêbado que sempre estava na quina de alguns prédios era bem humorado. Deve ser por conta do sol: estava sempre radiante. E quando chovia... Bem, não lembro de ter chovido um dia sequer na minha infância.

A padaria era bem simples. E pouco charmosa, para ser sincera. É o que nós chamamos hoje de pé sujo, mas nestes anos eu chamava de restaurante. Não serviam arroz ou feijão naquele lugar, mas serviam o melhor misto quente e café que já provei em todos essas primaveras que me acompanham. Sou incerta quanto ao adjetivo de "melhor" misto quente e café, já que provei vários - e hei de provar mais. Mas só aquele café fazia eu sentir o gosto ruim que tinha. Amarguíssssssssimo. Às vezes, até fechava os olhos e prendia a respiração para o café com gosto de gente adulta descer.
Mas quando eu conseguia manter os olhos abertos, eles estavam concentrados nos azulejos portugueses que decoravam a parede. Legítimos azulejos azuis e portugueses. Alguns lascados, principalmente os que ficavam atrás da chapa quente. Estavam lá há anos, e ainda persistiriam por mais alguns (ainda bem!).

Aposto que eu e o dono da padaria sentíamos o mesmo carinho por ela. Afinal, ela nos fornecia o pão de cada dia. Me ensinou a gostar de café ruim, digo, amargo e de um bom misto quente domingo de manhã.
Engraçado, lembro-me que o café era ruim no começo e pior no final. Não sei o porquê. Acho que toda a concentração de café ficava no final do copo. Então a coisa mais deliciosa dos finais de semana da padaria eram o meio do misto quente (onde tinha mais queijo) e o meio do café (onde tinha menos café). Isso tudo no começo dos domingos.
O copo esquentava e mal dava para se pegar, tampouco com mãos minúsculas como eram as minhas, e era incrível como os homens formados, magros, escuros, mas de braço forte conseguiam pegar o copo de mão cheia. Mesmo saindo fumaça e tudo.
Obviamente, eu desconhecia o que são os calos e as insensibilidades da pele.

Hoje eu até quase consigo segurar de mão cheia.
Quase.






19 de abril de 2013

Anadotas de quem é sincero

I

Estava eu chegando em casa depois de um exaustivo dia. Por estar saindo do estúdio, carregava meu violão num case enorme e alguns cabos que não cabiam na mochila. De chinelo, short e toda suada, passo na frente de um bar. Um senhor beberrão grita:
- Nossa, você toca? Eu também toco, vamos tocar juntos!

Nem ouso olhar para o sujeito e continuo andando. Atravesso a comercial e vejo já o meu prédio.
Um homem passa por mim e diz, aleatoriamente:
- Eu também toco! Mas toco de ouvido, não precisei de aula com professor não.
- Poxa, cara, que bacana! Me ensina! - respondi sorrindo, meio sem graça.
- Quem sabe um dia...! - proferiu o rapaz, sem parar de andar.

Chego, enfim, na última rua para chegar à minha casa.
Num dos bancos que ficam em frente ao bloco, estava sentada uma senhora que está sempre bem arrumada e passeando pela quadra, com jóias. Há anos ela faz a mesma coisa todos os dias. Morei fora, voltei, e ela continua lá. Finíssima.
Durante toda minha infância pensei que ela esperasse alguém. Mas hoje acho que ela quer arrumar um namorado.
Passei na frente do banco suando mais do que suei o dia inteiro. Desesperada para chegar em casa.
- Psiu! - a senhora me chama - Ei, psiu!
- Oi? - olho para senhora sem muita expectativa.
- Você toca violão?
- Toco sim.
- Acho lindo mulher que toca violão. Lindo.
- Obrigada, poxa. - disse, sem graça (porque não sei receber elogios, desta vez).
- Espero que continue tocando até o resto de sua vida, minha filha. Assim você terá todos os homens na sua mão.
- Obrigada, obrigada! - sorri grande.

Tomara, minha senhora.
Tomara.


II

Sexta-feira. Entrei no ônibus e percebi que estava cheio de rapazes bonitos. Mas sem muita expectativa, sentei na frente de um deles.
Distraía-me com a W3 sul quando o rapaz que estava atrás de mim me cutuca:
- Nossa, moça, qual é o nome do seu perfume?
- Putz, sabe que eu não sei?! Mas é um nacional, da Boticário, eu acho.
- Sério? É tão bom, adorei. Na verdade é tão bom que parece importado.
Ri mas fiquei reticente. Agradeci o elogio e virei para frente.
Escuto de supetão, baixinho, uns outros rapazes atrás dele comentarem:
"Nossa, que bicho burro! Pergunta o nome do perfume mas não pergunta o nome da menina".

Ri.


III

Fui comprar pão de manhãzinha na padaria perto de casa. Na fila, sedo o lugar para uma idosa de cabelos brancos e chinelo confortável de pano.
Olhando para minha tatuagem na coxa, a dona pergunta:
- Olha, isso daí não doeu não?
- Hein? - pedi que repetisse
- Isso daí, esse negócio aí na sua perna. O que é?
- Ah, é uma caravela. - levantei um pouco do short para que ela pudesse ver melhor. - Vê?
- Ah, tá. E esse negócio aí não doeu não?
- Olha, doer doeu. Mas é totalmente aguentável e eu n...
- ... Credo, Deus me livre. - fui interrompida - Essa juventude tá toda bagunçada.
E a senhora vira pra frente, prestes a ser atendida.
Pede alguns pães e eu volto ao jornal que estava lendo antes disto tudo começar.
Ela pega os pães e antes de sair dá uma última olhada na minha tatuagem. Faz uma cara de desgosto e conclui:
- Mas se te faz feliz, né?
E sai andando em passos apertados.




Mas se te faz feliz.
Então continue fazendo.

16 de abril de 2013

Fazer a barra da calça

Me choca a pequenez humana.
Nosso presente é tão minúsculo quanto nós.
Quanto mais se sonha, menos se tem.
E o futuro é só o resto do Ego que nos resta.

Me choca a pequenez humana.
só falta ajeitar o cós,
a calça veste bem.
no final das contas, esta costureira é única que presta




A pequenez humana é um fio de lã passando no buraquinho da agulha

4 de abril de 2013

Anadota problemática de quarta-feira

I

Saí 30 minutos mais cedo do trabalho e coloquei na mente que aproveitaria tais minutos para resolver alguns problemas. Escolhi resolver o problema das camisas brancas: não as tenho. Queria algumas simples, sem estampa ou "gola V". De algodão, de preferência. Descobri que são vendidas por preço razoável nas Lojas Americanas.
Então, nesses 30 minutos livres, eu ia à Lojas Americanas.

Mas se você também trabalha numa rua movimentada, sabe que um tanto desse tempo é insignificante. E se você, além de trabalhar numa rua movimentada, também depende de ônibus, sabe que esse tempo é completamente insignificante.

Então foi tudo ilusão. Gastei todo o tempo dentro de um ônibus fedorento e quebrado. Presa no engarrafamento. Lendo Cortázar, que é pra dar mais dor de cabeça.
Não desisti. Cheguei ao shopping, comprei as camisas. Coisa rápida. (Quero dizer, "rápida". Lembre que eu estava em uma filial do shopping mais popular da cidade da Lojas Americanas, às 18 horas. Entenda).

Me deu fome.
Quis porque quis um milkshake enorme de ovomaltine. Mas estou de dieta, e tentando seguí-la. Me vi então pedindo um suco de abacaxi com gengibre num restaurante natural (ó!), quando, de repente:
- CPF na nota? - pergunta a caixa
- Quero não.
- Só um minutinho, tá bom?
- Tá. - respondo pegando a nota fiscal.

Sento em uma das mesas da praça de alimentação, bem em frente ao balcão que fui atendida. A caixa carrega o papel com meu pedido até a cozinha do restaurante.
Espero alguns minutos jogando qualquer coisa no celular. Sai a caixa da cozinha, batendo a porta, voltando ao caixa em lágrimas.
Me chamou atenção mas voltei ao jogo.
Daí que saí a possível cozinheira louca, com uma faca na mão. E um homem atrás, assustadíssimo.
- Eu vou te matar, sua piranha!
- Então mata, vai! Aqui, ó! - disse a caixa apontando para o próprio pescoço. A praça de alimentação vira um centro de rostos assustados e silêncio, pleno silêncio, silêncio que faz uma criança curiosa ao descobrir algo. Me levantei e já ia desistindo do suco, pegando minha bolsa e reclamando em perder sete reais assim. Mas a cozinheira maluca não deixou. Aos prantos, ela pergunta:
- De quem é esse suco?!
Parei e olhei para ela, já perto da escada rolante.
Ela repete:
- De quem é esse suco?! - e joga o suco no chão. Volta a ameaçar a caixa - Olha aqui, minha filha, tu tava me testando. Se você tá achando que aqui as coisas são assim, vou te mostrar como são. Estagiariazinha.
- O que que foi, minha filha? Não quer me matar? Estou aqui esperando, ó! - aos berros, encorajando a cena do crime. O homem tentou segurar a mão da mulher com a faca e levou um soco. Um cruzado, propriamente dizendo. Eu, parada na escada rolante, vendo meu suco no chão, fui empurrada por um monte de seguranças. Que receberam outros tapas.
Certeira, a possível cozinheira fez com que um desses tapas pegasse na caixa.
Aí a coisa ficou feia e alguns homens que assistiam à cena começaram a gritar.
Os dois ou três seguranças pouco podiam fazer para separar as duas moças loucas e, por alguma razão, a cozinheira insistia em perguntar:
- De quem é esse suco?

Eu não sabia se respondia ou não. Se permanecia lá quieta, se respondia de lá, se ia lá responder, se largava tudo e ia pra casa. Fiquei sem reação simplesmente porque sabia que era meu suco. E não faço ideia da quantidade de problemas que um suco pode gerar.
Até então.

Um dos seguranças conseguiu acalmar a caixa, que respirava fundo e chorava, chorava. Sabe-se lá porquê.
A mulher da faca ameaçou todos que estavam olhando de morte, ao segurança e à caixa. Tirou o avental, pegou a bolsa, largou a faca e saiu chorando, correndo.
Os homens que gritavam gritaram de novo.
Desci as escadas rolantes um tanto ainda assustada, confusa.

Me sentirei culpada até quarta-feira que vem.

Às vezes temos que nos permitir sair da dieta.





obs
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