28 de fevereiro de 2012

Permissão ao amarelo (ruim)

Nota antecipada de esclarecimento (a fim evitar prejuízos para quem se diz autor deste - no caso, eu mesma): quando escrevi o que você vai ler a seguir, caríssimo - caso não seja dos "apressadinhos" - escrevi em um papel molhado dentro de um hospital.
Este a seguir, é um dos poucos que escrevi quase sem sentimento. Só observando.
Espero que vocês sintam por mim.
Não me julguem fria.






O aparelho apitava cada vez mais rápido mas nada identificava. O silêncio inundava a sala a medida que o olho da criança arregalava. A mãe pensava na infância que o futuro preservava, e o doutor, no presente, no agora, na precisão da morte.
A criança já nem pensava.
E por ser criança, muitos arriscariam dizer que nunca pensara.
A criança apenas arregalava os olhos e às vezes lembrava de cenas bonitas que, em poucos anos, conseguiu captar e guardar dentro de si.
Lembrou de quando, no seu aniversário, chovia.
Do bolo quente que queimara a língua, e do Guaraná gelado que, instintivamente, usou para remediar. Pelo que conheço (sobre doces e crianças), se pensasse, a criança certamente gostaria que o soro, cujo fizeram invadir a veia, fosse Guaraná.
Lembrou da primeira vez da irmã. Que espiou sem entender os gritos abafados. Pela brecha da porta, viu e ouviu o que não devia.
Sua lembrança amarelava cada vez mais, e como agora não pensava, deixava estar.
O aparelho parou de apitar e o médico avisou, em voz fria - "não há mais pressão". A suposição, simplesmente, tinha virado certeza.
E aconteceu, assim, simplesmente não havia mais pressão. Batimento cardíaco. Olhos se arregalando cada vez mais.
Deixou estar e assim ficou.

Foi simples, como tudo o que o compunha. Por inteiro.

Não era simples por ser criança ou qualquer bobagem. Era simples porque assim se permitia ser.

Se as pessoas antes entendessem - não porque dos olhos arregalarem - mas porque, enquanto amarelavam, quis mantê-los abertos...
Talvez houvessem outras brechas de porta.

25 de fevereiro de 2012

Antes

para meus olhos
paraíso
ora coisa plena, aberta
sorriso
ora paciente, excluso
aviso
pensava em desvendá-lo
passar por cima do mundo
só pra sondar
o que julgava profundo


porém
pavio curto
sempre foi problema
pra quem tem também.




paciência.

22 de fevereiro de 2012

Merchan

Ando falando sobre coisa chata aqui e ouvindo coisa chata lá.
Então se você gosta das coisas chatas daqui talvez goste das outras coisas chatas de ouvir.
Vai lá, vem lá, comigo



(festa estranha com gente esquisita)

21 de fevereiro de 2012

Carta Ao que tudo sabe

Prezado,

Esqueça meu passado, nome e juízo. Analise meu presente e concorde que sou digna de perguntar-Te: por quê? Não me faço de coitada com alguns de meus irmãos, mas se agora faço, é por alguma razão que até agora não me apareceu. Diga-se de passagem, há um bom tempo razões não me aparecem, apenas a aleatoriedade dos assuntos cotidianos.
E volto a questionar; por quê? Fiz eu algo tão errado assim?
Quanto talvez Você retornar, vai me encontrar bebendo com Bukowski mais uma vez, como nos conhecemos. Mas o presente era outro. O presente tinha vindo com fita vermelha.
Agora, o presente foi abandonado do lado de fora da porta, e só ao abrir, vi.
Errei ao ser tarde demais?

Grata,

Ana.

20 de fevereiro de 2012

Judô

Quando a luta é inevitável, é opcional a derrota.
E quando você tem o poder de escolha, não escolha o "tanto faz"...

16 de fevereiro de 2012

Para O Alex

obrigada por ter existido. sem você não teria metade da grandeza que sou, afinal, crescemos juntos.
sinto muito pela conjugação pretérita no verbo da frase anterior. não deveria ter sido assim, mas já que foi, tento desde então ser menos criança e aproveitar o resto de infância que resta aqui.
e é em miudezas assim que agradeço por ter você
de uma forma ou de outra
de uma dimensão ou de outra
de uma memória ou de outra

comigo sempre.




é com lágrimas nos olhos que sorrio!

14 de fevereiro de 2012

Hamilton

toda vez que eu tocava bandolim na janela
e acendia um cigarro de palha
aparecia um gato preto, vinha de trás da arruela
magrelo, cor de carvão, de homem sujo na fornalha

ficava me ouvindo tocar, naquela mesma posição
da primeira vez que o vi, fora apenas ocasião
mas o tempo foi passando e cada vez que me ouvia
o gato preto cor de nanquim aparecia

improvisava qualquer coisa, o gato ficava lá
errava mais que o bastante, o gato ficava lá
pois não era humano; não perdia a paciência
ainda assim tenho certeza, o gato tinha consciência

porque era meu ouvinte, era a tarde inteira assim
eis que um dia não errei mais, comprei um novo bandolim
arrumei minhas malas e dei um beijo na velha
peguei o ônibus e fiz minha trilha - de barro

era bandolinista na cidade grande
o povo agora paga para me ouvir
chamo-os de gato preto
na tentativa falha da saudade sumir

às vezes ela me liga
diz que pintaram de verde a janela
que sente saudades quando me ouve no rádio
e que o gato ainda me espera.





(fiz em 2009, gente)

13 de fevereiro de 2012

tempo

ca fé que tenho
o que tiver di ser
será
mas aguarda um pouquim, maria
que é pro meu café
poder coar

9 de fevereiro de 2012

Blasfêmia

O mundo é composto por Bíblias cotidianas. Diáias.
Composto por Cristos que acordam às 4h da manhã para fazer da farinha, pão. Que ao final do dia - todo dia - são crucificados, em praça pública, meio a tantos outros Cristos... Mas acorda, renascem.
Com suas companheiras santas ao lado, segurando nos punhos suas dores e nos braços o orgulho do parto. Nos olhos, a água que escorre muitas vezes de forma silenciosa, sem seu Salvador saber.
Ninguém precisa saber.

O mundo é composto por apóstolos. Que escrevem trajetórias, acompanham--na. Por inteiro, integralmente. Apóstolos são artistas. Vêem, vivenciam, exprimem. Causam catarse, compartilham. Fazem-se ver, anunciam. E o raio que o parta fará o apóstolo desistir, abandonar. Apóstolo precisa.
É o que ama.
Muitas vezes você o vê no sinal de trânsito.

O mundo é composto por conceitos, mandamentos de superiores e que, Deus, o medo que vem sobre nós se não cumprirmos... O inferno é a consequência da vida desobediente, o céu, ah, o céu, não passa de uma recompensa para bons meninos.
Normalmente mimados pelo Pai.
Bons cristãos, bon vivant.

E se teu limite é o céu, meu caríssimo próximo, tua visão se resume apenas ao que Cristos ensinam, apóstolos veem, Patrões ordenam... E páginas descrevem.








Viver é apenas uma questão de entender gerações.





Pague o dízimo.

1 de fevereiro de 2012

Alcovas

Ele dormia tão bem que se eu fosse Deus, reduziria sua pena no juízo final. Era outra pessoa dormindo.
Parecia que seus pecados, erros e culpas tinham sido magicamente apagados, e que nem o barulho da britadeira lá fora impediria que seus pecados, erros e culpas voltassem, afinal, dormia tão bem.
Ainda assim, dormia pesado. Dormia bem, bem pesado.
Não era como sono de criança.
Era como quem, de dia, carregara o mundo nas costas de boca calada. À noite, depois dos sussurros e risos imbecis, se calava enfim, por vontade própria. Sem esperar nada de ninguém. Seja reclamação, telefonema ou pagamento.
Talvez esperasse um tanto de carinho ou algo inútil assim...
Mas dormiu antes que pudesse me contar.