21 de dezembro de 2015

A seriedade das coisas banais

Nem sempre eu faço minhas unhas. Muitas vezes prefiro recorrer a um profissional, já que minhas habilidades com a mão direita são dificultosas. Quando tento fazê-las sozinha, sempre fica meio esquisito, abstrato. E já que se trata de uma frescurinha, que seja bem feita, né?
Era um desses dias que eu fui fazer as unhas.
Chego no salão à tarde e logo cumprimento todos os funcionários e dondocas sorridentes. Sento, aguardo minha vez enquanto tomo um cafezinho.
Ao meu lado, uma senhorinha de cabelos brancos colorindo suas longas unhas de vermelho-escuro. Do outro, um jovem rapaz tagarela.
Sem que eu perguntasse ou quisesse saber, este rapaz me informa:
- Estou aqui esperando meu amigo sair da massagem.
Não sei o que responder. Dou um sorriso e volto ao meu café, que logo acaba. Percebendo o trágico fim da cafeína, ele levanta e oferece a todo o salão:
- Gente, vocês aceitam uma água? Um cafézinho?
Algumas aceitam, outras não, o rapaz sai distribuindo líquidos ao pessoal e logo senta ao meu lado novamente.
Tenta trocar ideia de qualquer forma.
- Você é daqui mesmo?
- Sou sim.
- É que seu sotaque é quase nordestino.
- Minha família é nordestina, moço. E você?
- Eu sou de Pernambuco.
- Minha família é de lá também.

Começamos a conversar. Ele me conta de quantos imóveis possui e quantas vezes viaja por ano, e que gosta muito da Bahia. Que veio parar no Goiás à trabalho, mas não pretendia ficar muito.
Que está muito triste com as catástrofes naturais (digo, intencionais) e, sobretudo, com a política.
Enquanto eu escolhia uma cor de esmalte bem bonita e minha maravilhosa manicure lixava minhas unhas, ele enumera os políticos corruptos com ou sem processos abertos. Fala mal da presidente, do vice, e do próximo que ainda nem conhecemos. Do quanto o desvio de dinheiro afeta a qualidade estrutural do povo e física das calçadas e bueiros. Conversamos sobre o eterno coronelismo em algumas regiões, da venda de votos, do nepotismo e das intermináveis "monarquias" familiares.
Critica o "jeitinho brasileiro", o mau da História. Diz que está cansado de desonestidade, de trabalhar como um condenado e não receber proporcionalmente a isso.
- Estou realmente insatisfeito, se eu pudesse, iria para a Europa.
- Talvez seja a solução mesmo - respondo.
Com as unhas feitas, pago, despeço-me de todos e vou embora, carregando uma conclusão: adorei este azul marinho.

Passam algumas semanas e, como nada é eterno, meu esmalte se esvai.
Passam mais algumas semanas e volto ao salão.

Chego como de praxe e sou recebida da mesma forma: com alegria. Sento, aguardo, escolho uma cor.
Minha maravilhosa manicure chega para me atender.
O primeiro assunto do dia não são as tragédias do mundo ou as piadas pessoais.
- Ana Ju, sabe aquele homem que conversou muito com você na última vez?
- O pernambucano? Sei sim. Ele estava esperando um amigo, não é?
- É, diz ele que sim. E, realmente, tinha um amigo dele fazendo massagem lá em cima.
- Animado ele, né? Não parava de falar ou de levantar para oferecer café aos outros...
- Pois você não acredita... - antecipa ela.
- O quê?
- Ele roubou o celular de uma menina. Naquele dia. E de tão ocupadas, nem percebemos...


12 de outubro de 2015

depósito

Revendo as mídias digitais e as fotos em pixels, reciclando o cartão (d)e memória.
Curadoria de momentos e acidentes.


Nem acredito que encontrei isto, nem sei quanto tempo faz. Da época de flash mob, guerra de travesseiros :o)

transito trânsito







tríade







obra de pedro reyes



suspiro










arco e flecha




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2 de setembro de 2015

As diárias analogias resumidas EE

É como se você fosse numa festa onde você não conhece ninguém. Pode dançar como se ninguém estivesse olhando, sabe? Ou como se estivesse num país onde não falam português. Podes falar e ninguém entenderá, e provavelmente, vai ficar com preguiça de entender.
Então você continua caminhando no meio dum mundo de tudos e todos. Às vezes as pessoas te encaram pelo jeito que você usa o cabelo, ainda meio adolescente. Às vezes te percebem e querem conversar, às vezes, querem distância. 
O extraordinário de ser único é que, este simples fato, não te torna especial. Que nem você, não tem ou existirá igual. Ainda bem.
Num dia mais leve, alguns sorrisos soltos funcionam como abrir portas, ou melhor: janelas. Deixa o sol invadir seu quarto, iluminar tua poeira na estante. Você até se dispõe a entender o idioma das pessoas, pede para repetirem a pronúncia. E prossegue caminhando.
Algumas pessoas percebem, não falam, não podem falar. Outras fazem questão de dizer.
Como se você estivesse respondendo um teste difícil em uma sala cheia, alguém entrega as perguntas e todos respondem do jeito que estudaram. Alguns tiveram apoio de professores, pais, irmãos. Alguns tiveram apoio dos livros, das pesquisas, da internet. 
Assim como num teste em que você precisa ir bem, você continua caminhando, em alguns dias abrindo a janela, em outros dançando para esquecer. Sem conhecer teus colegas, teus concorrentes, duvidando da pergunta clara escrita, mirando no acerto. 

Sendo o que te cabe, escreve por linhas tortas, e devolve a resposta à quem perguntou. Mais um passo firme dado em teu caminho, embora sem saber erratas ou certezas, acordas todo dia para dançar sozinho enquanto espera o resultado do teste. 
Assim como as festas, os quartos e janelas, as línguas são alheias e mostram as diretrizes da sua trilha, a sorte está lançada, seja o que tiver de ser. 
Ainda bem que as tuas coisas não dependem de você.

É como se você estivesse num parque de diversões e começasse a chover, sabe?


24 de agosto de 2015

Fim de festa

Não me interprete mal,
é que às vezes eu sou assim
meio cabeça dura
Mas das coisas sérias eu sei
A culpa não foi minha
Pensando bem
Nem sua.

Não seja assim tão rude,
foram apenas quadros mal combinados
Numa parede lisa que, talvez, não mude
Mesmo quando tudo for passado.

Ainda bem que sei ler o seu silêncio.

Sobretudo, não se esqueça
Uma coisa assim tão singela
aparentas não perceber
Não sou eu em loucura,
ou nós em tabelas,
Como simples fim de música
cansei de dançar com você.

31 de julho de 2015

como leve pluma

I

de novo.
estourou o gatilho
expulsou com força
e atingiu paredes

o som oco
da casca fina sendo pedaços
todos os espelhos se vendo
estilhaços
a cor de um berro
sólida em todos os seres...

e como fruta madura
caindo no chão
jovem em ápice
velha em ascensão
que refresca e suculenta,
satisfaz e arde
destina como toda criatura:
aos léus de sorte com vento,
habita seus próprios cárceres

e quando tudo é vácuo
um silêncio invade os pulmões
paladares, por todo palácio
existe suficiente vontade
de encontrar, em toda essa
ausência de gravidade,
um colo para repouso,
o fardo pesado de ninar na rede.



II

Hoje o galo cantou cedo, saí pra trabalhar. Voltei sem perceber que tinha esquecido minha carteira no escritório. Tive que voltar. No caminho, recebi um panfleto da Madame Soraya, que prometia trazer o amor amado em 3 dias. Fiquei curioso. Guardei o panfleto no bolso. Recuperei meus documentos e fui a parada de ônibus, refazer meus caminhos.
O tédio me fez ler o panfleto. Ela atendia perto de casa e aceitava dividir o pagamento, prometia búzios e cartas de tarot. Sobretudo, trazer o amor amado em 3 dias.
Entrei no ônibus com o papel na mão. Passaram alguns bairros, e quando me dei conta, estava decidindo se iria à Madame Soraya ou não.
Eis que o endereço se aproximava. Perguntas pairavam minha cabeça: "quem será o amor da minha vida? Quem me fará feliz? Será que é mesmo em 3 dias?". Não conseguia me decidir, e o veículo acelerado, cheio de gente, de objetos. Olhei para o panfleto e desisti.
"Trazer o amor amado em 3 dias"?
É que eu sou muito chato com essas coisas de pleonasmo.


III

Essa aconteceu de verdade.

Estava no show do Paralamas do Sucesso. Numa área aberta, muitas pessoas espalhadas, sentei mais afastada do palco. Um homem aparentando 50 anos, de barba branca, vestes simples e olhos azuis carrega um expositor com seus artesanatos. Passa por mim e pede um trago do meu cigarro de palha. Respondo sim e começamos a conversar.
Ele me conta os lugares que passou, das praias bonitas do nordeste e das dificuldades financeiras.
Pergunto:
- Você acredita em Deus?
- Sim.
Curiosa, persisto:
- Por quê?
- Você acredita na África?
- Sim - digo rápido - Acredito.
- E você já viu a África?
- Não.

Neste momento fiquei surpresa. A manifestação divina é para os sensíveis; a alegria verdadeira não está no que se vê. Apenas que acreditemos é o que ela precisa para existir. Com este argumento não existiriam mais ateus no mundo.
Ele agradeceu o cigarro e foi embora, sabe-se lá para onde.
E eu? Nunca esqueci esta lição de vida.
Até perceber que ela não faz o menor sentido.


IV

Acho que nunca escrevi tão mal na vida.
Pardon my mimimi.

27 de maio de 2015

presta atenção
no que faz, onde pisa
pois cada passo anuncia o chegar
e a inevitável despedida

é de pé e chão
que destrói e cria
que arrasta teu descanso vão
nas feridas férteis que conferem
à vida.

apenas tua sombra
é quem sempre
te acompanha.

e, quando, no fim de teus dias
desejares sono em paz, fronha
apagar a luz que te banha
planos infalíveis sem artes, sem manhas

presta atenção

no que pensas e escolhes
pois o que plantas é o que colhes
e quando o pico de maturação
de teus frutos chegar
nenhum deles será de posse.

é de mente e céu
que enxerga e sente
as tramas próprias que teces
com laços firmes
nós inconsequentes
é com cautela que
não se torna réu.

e, quando, no início de teus dias
desejares sol sereno, brilho
passeares energias
em tuas entranhas
pé e chão, céu e mente
e moverás montanhas.



5 de maio de 2015


a certeza é
de passagem na
terra firme com
duros e
frágeis ossos





estar vivo é
mostrar como é
seu brilho na
imensidão do
cosmos



12 de abril de 2015

Das voltas que o mundo dá enquanto a gente gira

quero
aos pulmões, zelo
aos arrepios, pelo
às cartas, selo.

às margens, coragem
aos fios, novelos
às letras, imagens
aos filhos, sossego.

quanto ao mundo?
quero comê-lo.

29 de março de 2015

pax et bonum

Daqui pra frente não existe impedimento.
Caminho com um arcanjo ao lado,
que mesmo em dias tempestuosos me faz alado
e me leva pra voar.
E nenhum medo, nenhum mal, nenhuma morte
alcança
sequer
meus pés.

16 de março de 2015

Instável!

I

Prato do dia:
https://www.youtube.com/watch?v=xpqbbmJ42yU

II

Sobre as mudanças:
Há uns anos, quando comecei a escrever por aqui, não achava que minhas palavras mudariam o mundo. Ainda não acho. Mas também não pensava que minhas palavras mudariam tanto.
Este espaço se chamava Pré Psicopata, algo que expressasse toda minha rebeldia em estar em ambientes sempre tendenciosos. Lendo posts antigos, não mais me identifico com metade do que escrevi, apesar de me reconhecer em algumas frases. A gente muda, mas é sempre menos do que imaginamos.
Hoje, chama-se Abobrinhas, porque tudo é e sempre foi devaneio. "Encheção de linguiça", não é pra mudar o mundo. Talvez para datar minhas mudanças, ou para simplesmente livre ser. Descobri que os ambientes só se tornam tendenciosos, maliciosos, ociosos, quando nós estamos nesses estados.
Pois bem. Agora apenas observo. Como antes, bem verdade.
Mas chego mais perto.
E continuo querendo ver o oco.

III

Nada me incomoda mais
Do que o comodismo

IV [editado]


12 de março de 2015

Titãs

quem anda distraído
não percebe se vem carro,
chuva,
ou maldade.

quando é carro,
toma susto.
quando é chuva,
alarga o passo.
quando é maldade,
permanece.
às vezes, até percebe.
mas depois, esquece.

pois, quem anda distraído
acha que a dor e a morte
são dois objetos supérfluos.

quem anda distraído
sabe que, no fundo e no fundo
está bem protegido
pela beleza presente no caminho...

19 de fevereiro de 2015

santeria




















12 de fevereiro de 2015

sem titulo

mas e quando a tristeza é latente
gosto amargo no peito dessa gente
que tem nem mais água pra chorar

desde sempre coração mole
cabeça erguida, cabeça dura
pisada forte, que, por ventura
precisou aprender com o tempo.

mas e quando a canção vira lamento
esvai todo sentimento
e o silêncio passa a incomodar

as coisas não deviam ser do jeito que está
nem é de se notar como isso aconteceu
tristeza vem onde há moradia
o coração aberto esmoreceu

qualquer coisa, tudo bem, amanhã é outro dia
a importância da gente ser leve
é sabedoria popular
de resolver a si mesmo
e, assim, existir em algum lugar