30 de julho de 2011

Liberta a ti mesmo

Tiago passou a morar sozinho não faz muito tempo, logo, está em constante fase de adaptação. E já queimou o pano de prato, consertou o chuveiro e ficou sem luz por ter esquecido de pagar a conta. Tiago, apesar de maior de idade, ainda não é um homem.
Só teve um pouco de sorte ao passar na Federal de primeira.

Por não ser homem, Tiago ainda ouvia bandas como Led Zeppelin e Beatles enquanto jogava video-game, e recebia telefonemas dos pais e berros dos vizinhos: "abaixa esse volume!"
Quando telefonava, seu pai sempre perguntava: "e o sudoku?"

Tiago, maior de idade, lembrara que gostava de sudoku. E no mesmo final de semana, saia para comprar na banca de revistas que havia na rua de frente.
Sem se importar, sem pentear o cabelo, ou sem tirar a camisa do Brasil, Tiago ia comprar o jornal.

Jornal este, que era vendido, pela - menor de idade - Valéria.
Valéria, apesar de menor de idade, não era homem. Logo, era mulher*. E Deus sabe lá se a Ciência tem razão quando diz isso, mas os homens amadurecem depois que as mulheres.
E os dois tinham seu quê de genialidade, mas não eram excepcionais. Digo, não eram excepcionais para a Ciência, mas Tiago sabia que era o melhor jogador de sudoku da cidade, e Valéria sabia que tinha a própria vida nas mãos. Isso, convenhamos, é excepcional - mesmo que ninguém dê a mínima.

E Valéria, que vendia o jornal para Tiago, reparava no sorriso dele, enquanto ele reparava na edição do tal jornal. Sorriso este, que não aparecia sem motivo; sem Valéria exclamar "é novo, juro!". Fosse falso, fosse verdadeiro, ele aparecia.


E os meses foram passando.
Tiago aprendeu a não queimar os panos de prato, e vendeu o videogame. Tem comprado mais bebida do que jornal, e o chuveiro nunca mais quebrou.
Juntou dinheiro e anda por aí usando barba, sapato social, e camisa do Brasil.

Valéria ainda era excepcional: já não era mais menor de idade, e tinha belas pernas. Agora, sabia que Tiago era ótimo no sudoku.
Andava por aí com essas bonitas pernas, deixando sorrisos - fossem falsos, fossem verdadeiros - nos rostos que lhe eram familiares, e uma aliança nas mãos.
Talvez, Valéria não fosse mais tão excepcional assim.









*é o que consta.

26 de julho de 2011

A drogaria é aqui por perto

A linha tênue entre o branco e o crioulo é a mesma entre o morrer com alguém e morrer por amor.
A linha tênue que continua entre o gay e o hétero é a mesma entre a Aspirina e uma arma de fogo.
Sinto lhe dizer, mas Aspirina não abre tua cabeça, e teu colarinho não te salva da forca. E você deve me avisar com antecedência se não se importar com isso.
Porque eu saio por aí distribuindo linhas tênues, sorrisos sinceros, falsas liberdades e amor.

Mas olha por onde você anda! Vai que a gente se cruza no caminho?

23 de julho de 2011

Açúcar



Então eu estava lá. Na frente da porta dele.
Realmente precisava daquilo.
Não, não era questão de vida ou morte. Mas talvez fosse, se eu deixasse tudo para lá, e fizesse algo errado em seguida.
Faria aquilo porque sabia que a consequência era segura.

Então eu estava lá. E já passavam da meia-noite.
Pensando em como vou pedir: "Olá! Será que o senhor poderia me emprestar..." ou "Ei.. Sou sua vizinha do segundo andar. Será que o senhor poderia me dar..." ou então, até "Oi, nos encontramos no elevador semana passada. Vou ser direta: eu quero..."
Mas fui mais longe: pensei em voltar pra casa.
Não chamaria isso de timidez, mas sim, falta de educação. Porque já passaram os tempos em que dizíamos "mulheres e crianças na frente!". Os tempos são outros agora; se ele não quisesse me fazer esse favor, talvez fosse rude. Porque já passam da meia noite.
E eu não gosto quando as pessoas são rudes comigo.
Por isso eu teria de ser direta, objetiva. Se ele fosse rude comigo, eu já teria dado o troco indiretamente: não teria sido "fofa" com ele.
É, é isso.
Vou ser direta.
Objetiva.


Então eu estava lá. Respirando.
E movendo a mão lentamente para tocar aquela campainha gelada e alta, que dava pra ouvir do meu andar.
Parecia campainha de castelo de filme de terror. Tinha receio de que um mordomo corcundo e careca me atendesse. E tinha mais receio ainda que fosse rude comigo.
Porque prezo pelas tais políticas de boa-vizinhança: nunca se sabe quando eu vou querer ser síndica deste maldito condomínio de canos rachados e vazamentos sanitários. E menos um voto é mais uma chance de perder.
Ou pior: e menos um voto é mais uma chance das outras pessoas se... Converterem. É, acho que essa palavra cabe.
Por isso eu não podia ser rude.


Então eu estava lá. Fazendo minhas preces.
Pedindo a todos os santos que eu lembro o nome para que ele realmente entendesse que eu não fui rude, e sim, OBJETIVA, DIRETA. Porque é assim que uma mulher tem que ser hoje em dia.
Se ela quiser ser síndica, encanadora, ou vizinha de alguém.
Mas se ela quiser arrumar um namorado, nem precisa ser tão objetiva e direta assim.


Então eu estava lá. Enrolando.
E fui.
A campainha tocou. Uma vez. Segurei para que o "dong" (esse mesmo, que vem depois do "ding") soasse mais lentamente, para não ser um incômodo, para que ele não fosse rude comigo, e nem eu tivesse de ser com ele.
Porque eu não deixo barato não; dou o troco. Talvez ele esqueça e vote um dia em mim.
Ah, esse eterno dilema de ser eu e ser síndica um dia me deixa louca.


Então a porta abriu. E o vento passou.
- Olá... Espero que não tenha acordado o senhor. Vim te pedir uma coisa.
- Acordou. Mas peça.
- Moro no segundo andar e... - pensei: O-B-J-E-T-I-V-I-D-A-D-E. Respirei fundo. Ele ergueu uma sobrancelha e bocejou. Pensei nos meus votos, nos meus sonhos, na minha vida, na minha morte, na minha segurança, na segurança do prédio, no elevador, e nisso tudo aí que e estava por um triz. E, finalmente, pensei na pergunta:
- O senhor poderia me passar a senha da sua internet?

21 de julho de 2011

Ponto final.

a vida não passa de uma criança malcriada.
e não tem como você fazer com que ela deixe de ser imprevisível.
e não tem como você fazer com que ela deixe de passar de uma criança.
e não tem como você fazer com que ela deixe de ser malcriada.

a vida não passa de uma criança malcriada.
e o problema é seu.

18 de julho de 2011

Logical song

- Coração não é impermeável. Se eu fosse você, não ficava brincando com ele assim.
- Ele é meu e faço o que quiser, portanto.
- Só quero que o que me faz bem dure mais.
- Meu coração te faz bem?
- O que você faz com ele me faz bem.
- Se eu parasse de brincar com ele, tua vida ia perder um tanto de cor.

17 de julho de 2011

Já passaram os tempos em que tínhamos que dar valor à Matemática

Brasil, o mundo não cabe em mim, mas cabe em você.
E eu, e só eu, não posso deixar que minha garganta inexista por tua causa. Se escrevo e ninguém lê, a culpa já não é minha. Se divulgo e ninguém lê, a culpa já não é minha.
Mas ainda assim, sou culpada por não ter algo que amplie minha voz. Sabe como é, o amor não faz isso.

Cá pra nós, brasileiro só é otário
(porque não ouve, porque não lê, porque não pensa, porque não vê, porque não reivindica, porque não se rebela, porque tem medo, porque tem preguiça, porque)
porque quer.

13 de julho de 2011

Arrepio

mariana anda de bonde e de cabelos soltos
é jovem e põe as pernas de fora
faz parte do grupo de pessoas que põe toda
confiança em músculos e barra de ferro
só para sentir o vento bater em seus cabelos soltos
em suas pernas
e no resto do seu corpo.

9 de julho de 2011

Justifico os suspiros salgados

mas realizo-os
antes de coisa qualquer
porque sou humana
forte, sadia
mas acima de tudo
sou mulher.

7 de julho de 2011

Sonho com muito açúcar (em algumas noites)

tenho receio do vulgar
guardo meus desejos para mim
e espero que você entenda
e saiba
que nem todos os suspiros
dessa delicatessen
são doces.


4 de julho de 2011

Morava sozinha e dormia sem blusa

Ela morava sozinha e não tinha noção do quanto era feliz por isso.
Talvez, em alguns momentos do dia, ela tivesse. Como quando a tarde chegava ao fim e o sol batia na janela, em seu rosto, e nas pimentas que ela cultivava. Como quando ela dormia até mais tarde e acordava com o dia nublado, frio.
Ela não se importava com o frio, porque era uma pessoa calorosa. Um ser humano caloroso. E uma mulher quente.
Talvez, ainda não fossse mulher. Fosse menina. Mas tinha amadurecido muito cedo; ainda que seus erros - não fatais - fossem graves e levemente infantis (leia-se imbecis). Errava bobeira e acertava porque era capaz; só contava com a sorte nesses dias frios ou nas tardes quentes.
Mas ela não chamava isso de sorte.

Ela não tinha noção disso.

3 de julho de 2011

Versos de antes da ressaca

dizzy já queria dizer
que uma noite na tunísia
equivale a delícia
de estar com você







depois de um pouco de álcool















nasceu este