Só teve um pouco de sorte ao passar na Federal de primeira.
Por não ser homem, Tiago ainda ouvia bandas como Led Zeppelin e Beatles enquanto jogava video-game, e recebia telefonemas dos pais e berros dos vizinhos: "abaixa esse volume!"
Quando telefonava, seu pai sempre perguntava: "e o sudoku?"
Tiago, maior de idade, lembrara que gostava de sudoku. E no mesmo final de semana, saia para comprar na banca de revistas que havia na rua de frente.
Sem se importar, sem pentear o cabelo, ou sem tirar a camisa do Brasil, Tiago ia comprar o jornal.
Jornal este, que era vendido, pela - menor de idade - Valéria.
Valéria, apesar de menor de idade, não era homem. Logo, era mulher*. E Deus sabe lá se a Ciência tem razão quando diz isso, mas os homens amadurecem depois que as mulheres.
E os dois tinham seu quê de genialidade, mas não eram excepcionais. Digo, não eram excepcionais para a Ciência, mas Tiago sabia que era o melhor jogador de sudoku da cidade, e Valéria sabia que tinha a própria vida nas mãos. Isso, convenhamos, é excepcional - mesmo que ninguém dê a mínima.
E Valéria, que vendia o jornal para Tiago, reparava no sorriso dele, enquanto ele reparava na edição do tal jornal. Sorriso este, que não aparecia sem motivo; sem Valéria exclamar "é novo, juro!". Fosse falso, fosse verdadeiro, ele aparecia.
E os meses foram passando.
Tiago aprendeu a não queimar os panos de prato, e vendeu o videogame. Tem comprado mais bebida do que jornal, e o chuveiro nunca mais quebrou.
Juntou dinheiro e anda por aí usando barba, sapato social, e camisa do Brasil.
Valéria ainda era excepcional: já não era mais menor de idade, e tinha belas pernas. Agora, sabia que Tiago era ótimo no sudoku.
Andava por aí com essas bonitas pernas, deixando sorrisos - fossem falsos, fossem verdadeiros - nos rostos que lhe eram familiares, e uma aliança nas mãos.
Talvez, Valéria não fosse mais tão excepcional assim.
*é o que consta.