23 de julho de 2011

Açúcar



Então eu estava lá. Na frente da porta dele.
Realmente precisava daquilo.
Não, não era questão de vida ou morte. Mas talvez fosse, se eu deixasse tudo para lá, e fizesse algo errado em seguida.
Faria aquilo porque sabia que a consequência era segura.

Então eu estava lá. E já passavam da meia-noite.
Pensando em como vou pedir: "Olá! Será que o senhor poderia me emprestar..." ou "Ei.. Sou sua vizinha do segundo andar. Será que o senhor poderia me dar..." ou então, até "Oi, nos encontramos no elevador semana passada. Vou ser direta: eu quero..."
Mas fui mais longe: pensei em voltar pra casa.
Não chamaria isso de timidez, mas sim, falta de educação. Porque já passaram os tempos em que dizíamos "mulheres e crianças na frente!". Os tempos são outros agora; se ele não quisesse me fazer esse favor, talvez fosse rude. Porque já passam da meia noite.
E eu não gosto quando as pessoas são rudes comigo.
Por isso eu teria de ser direta, objetiva. Se ele fosse rude comigo, eu já teria dado o troco indiretamente: não teria sido "fofa" com ele.
É, é isso.
Vou ser direta.
Objetiva.


Então eu estava lá. Respirando.
E movendo a mão lentamente para tocar aquela campainha gelada e alta, que dava pra ouvir do meu andar.
Parecia campainha de castelo de filme de terror. Tinha receio de que um mordomo corcundo e careca me atendesse. E tinha mais receio ainda que fosse rude comigo.
Porque prezo pelas tais políticas de boa-vizinhança: nunca se sabe quando eu vou querer ser síndica deste maldito condomínio de canos rachados e vazamentos sanitários. E menos um voto é mais uma chance de perder.
Ou pior: e menos um voto é mais uma chance das outras pessoas se... Converterem. É, acho que essa palavra cabe.
Por isso eu não podia ser rude.


Então eu estava lá. Fazendo minhas preces.
Pedindo a todos os santos que eu lembro o nome para que ele realmente entendesse que eu não fui rude, e sim, OBJETIVA, DIRETA. Porque é assim que uma mulher tem que ser hoje em dia.
Se ela quiser ser síndica, encanadora, ou vizinha de alguém.
Mas se ela quiser arrumar um namorado, nem precisa ser tão objetiva e direta assim.


Então eu estava lá. Enrolando.
E fui.
A campainha tocou. Uma vez. Segurei para que o "dong" (esse mesmo, que vem depois do "ding") soasse mais lentamente, para não ser um incômodo, para que ele não fosse rude comigo, e nem eu tivesse de ser com ele.
Porque eu não deixo barato não; dou o troco. Talvez ele esqueça e vote um dia em mim.
Ah, esse eterno dilema de ser eu e ser síndica um dia me deixa louca.


Então a porta abriu. E o vento passou.
- Olá... Espero que não tenha acordado o senhor. Vim te pedir uma coisa.
- Acordou. Mas peça.
- Moro no segundo andar e... - pensei: O-B-J-E-T-I-V-I-D-A-D-E. Respirei fundo. Ele ergueu uma sobrancelha e bocejou. Pensei nos meus votos, nos meus sonhos, na minha vida, na minha morte, na minha segurança, na segurança do prédio, no elevador, e nisso tudo aí que e estava por um triz. E, finalmente, pensei na pergunta:
- O senhor poderia me passar a senha da sua internet?

Um comentário:

Murilo Papa disse...

Genial dona Ana.

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Ahá.