24 de abril de 2012

Aos caros Levino Ferreira de Alcântara e Thiago Henrique

Hoje fui um dia cheio. Por não ter cumprido certos compromissos, tarefas e ter adiado e desistido de um bocado de coisas, minha cabeça estava tão movimentada quanto a rodoviária.
E é lá que fui parar.
Em direção ao Teatro Nacional para assistir à Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro (e, naturalmente esvaziar a mente) peguei o primeiro ônibus que declarava em letras luminosas "ROD. PLAN. PILOTO".

Entrei.
O cobrador, trocador, como você quiser chamar (careca, de uniforme azul e colar de sementes) lia atentamente à Constituição Brasileira.
Chamei atenção "moço", e ele liberou a catraca. Perguntei:
- Constituição?
- É, estou estudando Direito.


Primeira pausa
Lógico que, pelo menos penso eu que, em condições boas de vida e saneamento, ninguém quer ser cobrador. Consequentemente, entendo o esforço do moço careca de uniforme azul e colar de sementes ao estudar Direito.
Nasci, cresci, e espero morrer em condições boas de vida e saneamento. Tão logo, meus parentes (todos os tipos de parentes, exceto meus avós maternos) esperam que eu também faça Direito, se não Medicina ou Engenharia Civil.
Mas para decepção geral nasci, cresci e espero morrer artista.
Expresso meu dom no desenho, no espaço cênico, mas me destaco e domino o campo musical.

Ao ver o moço estudando Direito, me cresce uma pequena e pesada insegurança ao meu futuro. Porque do destino eu só sei que é deitar.
Não quero passar fome, frio e medo. Tampouco decepcionar meus pais. Me dedico pouco ao que penso que nasci para fazer, e às vezes acho tarde demais. Sempre fui corajosa, mas há momentos em que me provo o contrário.
Fim da primeira pausa


- Boa sorte, moço. - e sentei em qualquer lugar.

Chegando ao Teatro Nacional, me dirigi à Sala Villa-Lobos (onde ocorrem rotineiramente às terças-feiras do mês as apresentações da Orquestra) e, Ana sempre atrasada, já tinha começado.
Me deparo com uma big-band tocando Duke Ellington. Coisa mais linda.
Uma fileira de saxofones, outra de trombones e uns três trompetistas. Uma guitarra, piano e bateria.
Ouvi sorrindo.

Quando saíram, entrou a formação normal da Orquestra. Com regência de Emílio de César, interpretaram Scherzo, Alberto Nepomuceno e Carlos Gomes. Entre um grave e outro me emocionava, ao ponto da moça ao lado perguntar se eu estava bem. E é lógico que eu estava. Nunca estive melhor.
Estava presenciando o que quero presenciar para sempre: o preencher da música na sala e nos sete buracos da minha cabeça.
Preencher não: inundar.

Acabaram, o público aplaudiu de pé, assobiou e gritou. O homenageado da noite - maestro Levino Ferreira de Alcântara - foi convidado a subir no palco e reger algumas peças de Mozart e outra de Haendel, com a participação do Coro Cantus Firmus. Impecável, diria.
Mas não foi a estrutura nem a escolha das músicas que me chamou atenção.

Segunda pausa
Nesta noite, Levino Ferreira de Alcântara comemora 90 anos, completados no dia 3 de abril. Construiu e fundou a Escola de Música de Brasília.
Construiu e fundou minha segunda casa.
Não dei valor quando estive lá. De fora você percebe e se chateia com os maus tratos do Governo em relação à Escola de Música. Mas isso não convém.
Levino, de cabeça branca e passos curtos esbanja lucidez e clareza nas suas palavras. Proferiu poucas e completas palavras, e com senso de humor, agradeceu por estar ali.
Mas seus gestos... Ah, seus gestos.
Que gestos.
Demonstravam uma vida inteira difícil e satisfatória. Seus gestos - de maestro, como ficar na ponta do pé e erguer os braços ao tentar chegar nos agudos dos violinos - expressavam (arrisco dizer e espero que concorde e esteja certa) amor.

Gestos não tão rápidos quanto a orquestra tocava. Mas gestos vívidos, gigantes e admiráveis.
Emocionei-me, a moça do lado - até que enfim - se emocionou.
Fim da segunda pausa


Parabéns finais, o público se retira.
Permaneço em meu lugar agradecendo silenciosamente a certeza obtida nesta noite.
Música.



Observações pequenas
Impressionei-me com toda a interpretação e esforço da Orquestra. Mas aviso que não é a primeira vez que a vejo.
Tão logo, sempre me impressiono. E por me impressionar sempre, tenho certeza.
Certeza essa que talvez me faça passar fome e frio. Mas medo já não mais.
E certeza de que com esforço, dedicação e carinho chego aos pés (nem que seja a sola dos pés) do maestro Levino Ferreira de Alcântara.
A traduzirei agora em escalas.


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Ahá.