8 de maio de 2011

Asfixia

Lembro da tarde em que eu morri.
Foi por simples falta de educação, carisma. Mas, acima de tudo, falta de sorte.
Não morava em uma cidade pequena suficiente para que todos me conhecessem; não morava em uma cidade grande suficiente para que estivesse sozinho em todos os momentos do meu dia.
Sempre tinha alguém. E era aí que o problema habitava.

A tarde em que eu morri era meio amarela. O sol estava visivelmente opaco. Mas não ao ponto de estar nublado: dava para caminhar sem precisar levar um guarda-chuva.
A Nova Reforma Ortográfica já tinha acontecido, eu estava, assim como o sol, visivelmente opaco. Apagado pela falta de hífens e acentos que antes existiam. Não seria problema se eu não tivesse que decorá-los para o tão temido vestibular.
Passei três anos da minha vida estudando para ele.
Na tarde em que morri, todos os meus colegas de turma estavam preocupados com vestibular. Afinal, este seria no próximo final de semana.
Final de semana, este, aniversário da minha tartaruga.


Morava só.
Só não me sentia sozinho por causa da tartaruga. Ela não tinha nome, e minha vizinha não a queria mais. E, mesmo antes desses meus três anos de estudo para vestibular, já tinha aprendido a me perguntar "por que não?". E foi justamente isso que falei quando ela - minha vizinha - perguntou em tom caridoso "você não poderia ficar com esta tartaruguinha?"
Pena que algumas pessoas entendem "por que não?" como "sim".
Mas não me arrependo.
Foi minha companhia durante alguns anos, até eu sair de casa.
Aliás, saí com ela.

E eu saía todo dia.
Sozinho.
E no começo saía pensando na tartaruga. Confesso que minha dúvida sempre foi: será tartaruga? Jabuti, talvez? e atravessava ruas, ruas, pagava e pegava ônibus e ônibus, carregando livros e livros sem saber quem morava comigo.
Sem saber de nada.
E meus três anos antes da tarde amarela foram bem rotineiros.

Não me arrependo.
Repito.

Ainda que rotina seja necessária, estressa.
E o vestibular estava me deixando tão irritado que fui perdendo os níveis de educação que já tinha com meus pais, amigos e porteiros.
Na tarde em que eu morri, não tinha cumprimentado o porteiro. Sabe como é, ele sempre vai estar lá.
Mas a gente esquece que nós não.


Quando eu já tinha desistido de saber se a tartaruga era jabuti, lembrei que já tinha cansado de pegar ônibus.
Precisava de um carro.
Quando eu já tinha decidido comprar um carro, olhei para a avenida: hajam.


A tarde em que eu morri foi por simples falta de ar.






terminado em sete de maio de 2011
para o murilo, para o mateus e para o diogo

Um comentário:

Ana Julia disse...

but im a creep.

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Ahá.