14 de outubro de 2010

Esses vácuos vazios

Já era tarde, e a insonia batera outra vez. O homem e sua sombra acordaram quando a luz foi acesa. Com pressa, ele respirou.
Como se tivesse tido um pesadelo.
Mas não teve.
Era só a insônia, que outra vez, estava entre duas orelhas de uma cabeça quase-vazia e tomada pela robótica do Novo Século. Oficina do diabo, cá entre nós.
Acho que essas são as melhores mentes para a insônia.
Não hesitou em levantar-se e abrir e abrir uma caixinha de presentes, onde tinham dois comprimidos: um para dormir, e outro para a dor. O homem pensou seriamente em tomar os dois juntos, mas a dor era suportável. Afinal, sozinho ele não estava.
Tomado o remédio, o homem - mesmo sem se levantar ou se mexer bruscamente - encaminhou-se para o segundo passo: pensar.
"Penso, logo não durmo": o assunto daquela noite. Daquela e de outras, hei de confessar. Mas era o primeiro assunto que lhe viesse à cabeça, e durante alguns meses, era esse. "Por que eu não consigo dormir?" que vem seguido de um "Será que eu deveria ir ao médico?" que era interrompido por um emocional, inseguro, e independente "Devo mesmo?".
Não havia conclusão alguma antes da 02h00.
Sinceramente, não havia conclusão alguma.
O remédio demorava para fazer efeito quando se estava consciente - principalmente, consciente e com tédio.
Se achava o mortal mais insortudo do mundo: com insônia e com tédio. Lia os livros de auto-ajuda que ganhara de natal, e bocejava. Minuto e meio bocejava de novo.
Aí, desligava a luz.
E ele aparecia para se juntar a nós.

Como o homem, não sei se posso chamar de medo, vazio, vácuo, espaço, amor, ou João-Pestana. Talvez, fosse a mistura dos três. Mas o homem só pensava nas primeiras duas coisas citadas: medo e vazio. Medo, vazio, e um comprimido. Tudo o que ele queria.
Acendia a luz de novo.
Ele sumia, ela voltava. Não estava mais sozinho.
Pensava de novo: "Medo de quê?" e bocejava. "Vazio, onde?" e piscava os olhos lentamente.
Olhava para a parede, e o alívio que ele sentia. Lá estava. Sorrindo, o seguindo, acompanhando-o sempre. Sem luz, ela não existia.
Sem luz, o lugar dela era tomado por outro.
Outro que ele não fazia questão alguma.
O homem realmente não sabe o que sente.
E entre outros mil pensamentos, desligou a luz de novo.
E então entrou o vento pelo ouvido, o vazio pela espinha, a vontade pelas veias, e, ah, Deus, a janela estava aberta. Talvez fosse isso. Mas a incerteza prevalece. Sempre.
E a preguiça também.
Então, o homem não se levantou para fechar a janela e cometeu o erro pela segunda vez: acendeu a luz.
Apoiou-se nos cotovelos, respirou fundo, olhou para a parede e pensou: "talvez eu precise de outro comprimido".

2 comentários:

Noah Wahr disse...

talvez eu tbm :)

Murilo Papa disse...

Leio, sinto e deduzo. Mas desisto de deduzir, prefiro só sentir essas letras somando a melodia em clave de sol que fiz pra você.

Postar um comentário

Ahá.