1 de dezembro de 2013

dia primeiro

Meu bem hoje comprou uma guitarra. Ao sair da loja, todo feliz e com o moleque do lado (que diga-se de passagem, descobriu-se percussionista), disse que a primeira coisa que fez foi me ligar.
- Amor!
Nunca atendera o telefone com uma exclamação tão grande. Estava num carro, tinha acabado de sair de um centro de meditação, tomei um susto.
- Tudo bem?!
- HJSHSJKHJDKHFÇLSÇKÇLDKFG
Ficou tudo chiado. Quase que pedi pro Léo, meu amigo, parar no acostamento pra eu já ligar pra polícia.
- Comprei uma guitarra!
- Comprou uma guitarra?!
- Comprei HKDJHJSKHDKLÇSD  - de novo - Tô saindo da loja SHKAHSLKDJKFG Você pilha de fazer um som?*
- Pilho! Como a gente faz?
- Te ligo mais tarde

E o mais tarde chegou. Ao vê-lo, abri um sorriso. Nem me cumprimentou direito, parecia pinto no lixo. Tirou do banco de trás um case gigante. Atendeu o telefone, segurando com força o brinquedo novo:
- Sim! Aham! Muleque, comprei uma guitarra que nem a do John Lennon!

Fiquei com a frase na cabeça.

Subimos, ele empurrou algumas cadeiras, a mesa, tudo para que a ficasse bem acomodada. O zíper do case foi se abrindo a medida que o seu sorriso fazia o mesmo. Pegou a guitarra pelo braço e, sem querer, a colocou contra a luz. Brilhou. Sorri. Sorriu. Sorrimos. Me entregou. Uma Epiphone caramelo-claro (?), com detalhes em branco, cheiro de madeira.
Fiquei sem reação.
Começamos algumas musicas e logo me empolguei. Não que eu entenda muito de guitarras, mas ela era realmente gostosa de tocar. E o som ecoava. Sorrimos mais algumas vezes.

Me pediu que tocasse O Bêbado e A Equilibrista.
Depois de alguns ensaios, comecei a tocar. Tudo errado, desafinando, de olhos arregalados para a cifra. De repente, ouço um choro baixinho. Sem parar de tocar, olho discretamente para o lado. Meu bem estava meditando, como de costume. Mas chorando como criança arrependida; que não chora alto, chora no canto, chora de leve.
Errei algumas vezes e ele nem sequer abriu os olhos. Nem para um cigarro de palha que fosse.
Terminei.
Meu bem abre os olhos como quando acorda, abre o sorriso como quando me reconhece, e segura na minha coxa como quando gosta. "Lindo." Assim, com ponto final e tudo.

Tocamos mais alguns sambas e skas queridos nossos. Bob Marley, Jimi Hendrix, Azulão. Tudo de uma vez só.
Tirei algumas fotos dele, e, Deus, que sorriso.

Teve que ir embora e quis porque quis deixar a guitarra aqui. E eu, sabendo do meu crônico adjetivo "estabanada", quis porque quis que ele a levasse.
Ele, sem a menor preocupação, encostou a guitarra no sofá, me deu um beijo bom e foi embora.

Somos um casal que busca sempre a prática do desapego, sabe.
E sabemos que a guitarra é só um objeto, fadado à destruição.
Mas quem diria que um pedaço de madeira com seis cordas faria tanta gente feliz?



* ps: casais que fazem arte juntos permanecem juntos

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Ahá.