13 de março de 2013

Anadota pra você interpretar como quiser, mesmo que eu sugira tal interpretação no final

I

Hoje, ou há alguma uma hora atrás (escrevo logo senão esqueço), peguei o quarto ônibus do dia para ir ao trabalho. Paguei a taxa de 1,50 reais - mais barato que a maioria dos outros ônibus aqui em Brasília, que chegam até 3,00.
Neste ônibus embarcam muitas pessoas diferentes, pois além de fazer todo o Eixo Monumental (nos leva aos Ministérios e outros prédios de responsabilidade Federal e Governamental) ele passa pela Nova Rodoviária. Esta, construída há não muito tempo atrás, possui linhas para o resto do Brasil. Logo, pego ônibus com engravatados e mal-trapilhos, por assim comparar.
Por acaso, escolhi o assento mais perto do cobrador. Apoiei os pés nos ferros que sustentam a cadeira dele, e voltei ao livro que estava lendo. Pessoas embarcando, todas elas diferentes e sem parar. Porém, dado um momento, a fila parou. Senti a diferença mas não quis erguer os olhos para observá-la. Não tinha porquê, até eu ouvir a voz rouca de uma senhorinha muito mais baixa que eu (veja bem, tenho 1,63) tentando se sobrepor à voz do cobrador (esta, grave e em tom chulo). A senhorinha se encaixava no grupo dos mal-trapilhos, sem dúvida. Carregava um saco de lixo preto cheio de não-sei-o-quê numa mão, e na outra uma pasta amarela que parecia ter todos os seus documentos dentro. Calçava chinelo e usava lenço na cabeça.
Gaga, a senhorinha pedia uma resposta ao cobrador:
- Es-es-es-este ô-ô-ô-ônibus vai para a no-no-nova rodoviá-á-ária, hein, moço?!
- Vai não, minha filha, já lhe disse.
- Ma-ma-mas o moço disse, lá fora, que ia!
- Ele errou. Não vai. Agora desça, vá.
E gaguejando, reperguntou ao moço se ia à Nova Rodoviária. O homem apoiou a mão na testa e soltou um suspiro esbaforido, lamentando.
A essa altura, eu já tinha erguido a cabeça para ver o que acontecera. Como todos os passageiros, eu permanecia calada e alheia à situação, mesmo sabendo que o ônibus ia sim à Nova Rodoviária. Depois me lembrei que estes motorista e cobrador sempre rejeitavam pedintes. Mas não tinha até então entendido o porquê d'ele achar que ela era pedinte, afinal de contas, apesar de mal vestida, não apresentava nenhum indício de que não poderia (ou conseguiria) pagar passagem. Seria muita pretensão pensarmos isso.*
Ela permanecia em pé, com o saco e a pasta em mãos. Esperando uma resposta. O motorista ainda não tinha chegado. Os passageiros, assim como eu, estavam apreensivos.
A mulher tenta gritar, mas por ser rouca não consegue. Acaba gaguejando mais ainda, e exigindo uma resposta:
- Mas su-su-su-sua mãe nããããããão lhe deu educação?!? Por que nãã-ão me re-re-re-re-re-responde?! Só po-po-po-por que eu não sei ler?!

Depois dessa última indagação, meu coração deu uma leve disparada -  e eu tenho certeza que não foi pela quantidade estúpida de café puro, preto e quente que tinha tomado há um tempo atrás - embora não saiba o motivo.
Levantei para que a senhora me visse. Respondi, em alto em bom tom (como de costume):
- Vai à Nova Rodoviária sim, minha senhora.
Sentei.
Voltei ao livro. Mas é óbvio que não estava prestando atenção alguma na história.
"Puta que te pariu", sussurrou o cobrador. A senhora ficou sem resposta.
Não me agradeceu, nem me xingou. Nem a mim nem à minha quinta geração, como deve ter feito o cobrador, mesmo que mentalmente.
O motorista chegou e ligou o motor. A senhorinha abriu a pasta e fez com que o cobrador tirasse R$ 1,50 de 50 reais. O cobrador jogou o dinheiro em cima da mesinha de plástico.

Seguimos o caminho, minha parada chegou e a senhorinha estava sentada no último banco do ônibus, olhando a janela.

Como ela conseguiu cinquenta reais, não aprender a ler, ou fazer com que, possivelmente, todos os pertences dela caibam num saco preto de lixo eu não sei.
Também não faço a menor ideia de pra onde ela vai. De onde ela veio.
Tampouco quero saber.
Só que, se esclarecermos a dúvida do mundo - ainda mais o nosso, que é teimoso e velho - acredito que este gasta menos tempo para chegar ao seu destino.



somos todos passageiros
até o cobrador e o motorista



*Não que não sejamos pretensiosos. Mas é muita pretensão dizer que somos.

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Ahá.