27 de dezembro de 2011

Um pouco mais de cuidado com os pensamentos alheios

Ai, César, eu não estou bem.
É até difícil pronunciar o seu nome, que tem duas sílabas! Só duas.
Aliás, eram quatro. E hoje, terça-feira, acabei com todos. Estou com quatro buracos no peito, e as mulheres modernas me disseram que eu tenho que me sentir feliz por tê-los, e me sentir orgulhosa por ter, aliás, por ter tido, um dia, eles.

O primeiro eu conheci numa festa, ele é garçom e tem um excelente senso de humor.
Não pratica esportes e sabe tudo de filmes franceses, disse que se pudesse não teria nascido pobre, e sim, francês. É engraçado (grande senso de humor) o jeito que ele trata o adjetivo, sabe, "pobre". Para ele é nacionalidade, status, sobrenome. Para mim, estado de espírito.
E era assim que começávamos a discutir, meio embriagados, e terminávamos tudo derramando vinho branco nos lençóis.
Eu nem gosto tanto de vinho branco, prefiro seco. Mas por ele, eu beberia vinho branco até que meu estômago rejeitasse.
E mesmo depois desse buraco que ele me deixou, continuaria bebendo vinho branco até que meu estômago rejeitasse, com completa e absoluta certeza.
Mas meu coração rejeitou-o antes que eu pudesse concordar.

O segundo eu conheci na fila do ônibus. Ele estava com duas cervejas na mão, e me ofereceu uma. Não aceitei. Não insistiu. E começou a conversar.
Descobri que somos vizinhos, e que ele tem uma filha, e que ganha bem. Por ela, não por ele.
Ele gosta de viajar, e fomos a alguns lugares não muito longe daqui juntos. Não me arrependo. Aliás, dos quatro homens que já tive em meus braços, este é o que menos me arrependo. Não sei porque, talvez fosse o mais canalha.
Talvez fosse sua filha.
Tenho certeza que, enquanto estava comigo, pensava na filha. E enquanto estava com outras mulheres, pensava na filha. E enquanto pensava na filha, pensava nas outras mulheres. Talvez ele só lembrasse de mim quando chegava em casa e via minha janela de bandeirolas penduradas.
Aí talvez, quem sabe, ele lembrasse da moça do ônibus.
É o homem que eu tenho menos ressentimento, pois ele sorria o tempo inteiro. Falando de tudo o que era bom e ruim na vida. Gostava disso.
Ainda gosto.
Mas não me vem bem a calhar filhos. Não agora.
É uma pena, porque a menina gostava de me ouvir tocando trompete.

Sabe, César, o terceiro é o mais doído.
Conheci quando era bem nova, e sempre soube que ele estava esperando eu crescer.
Eu estava me esperando crescer também. Por isso dói.
Aguardei um bom tempo por ele, e não foi o que eu pensei. Ele nem fodia direito.
(silêncio)
Porque não era simultâneo.
Era carnal pra ele, sempre foi. Pra mim, uma vez fora. Depois, era só satisfação a minha de vê-lo satisfeito.
Acabou sendo assim por alguns meses.
O maior buraco que tenho no meu coração pertence a ele.
E aumenta mais em só imaginar que ele saiba disso.
Ele sabe.
Eu sei, ele sabe.
Sempre foi assim.



O quarto foi o mais rápido.
Porque eu estou cansada. Porque eu só quis o que ele queria também: rapidez.
Somos jovens, e fazemos jazz.
Fizemos alguns jazz juntos e foi isso. Não quero, aliás, que não seja nada além disso.
Mas passei algumas noites em claro compondo algo que lhe fizesse sorrir.
Vidrei-me nele. Fez o alheio ficar desinteressante para mim.
Mas de repente, como fumaça, foi para Índia. Fazer jazz.
Deixou de mãos vazias.
E o quarto fundo buraco.

Acho que me doo demais, sabe, César, aí me roubam de mim. Sem eu nem ver: estou ocupada demais observando vocês, homens, dormirem. E quando dormem, sonham.
Sei disso.
Não calculam, não cantam, não pedem, não ordenam. Sonham.
E é assim que vocês devem agir em relação a outro ser que sonhe.

Seja este uma mulher,
ou si próprio.

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Ahá.