12 de novembro de 2010

É tudo uma questão de (ponto de) vista

Girou a pedra do isqueiro uma vez.
Duas vezes.
Três vezes.
- Não acredito.
Olhei para o lado, tirei o cigarro da boca dele e coloquei na minha. Mordi, mostrando a arcada dentária superior. Com a mesma brutalidade que tirei o cigarro, tirei o isqueiro. E girei a pedra do isqueiro uma vez.
Girei duas.
E acendeu.
Quase traguei. Ele pegou o cigarro de volta antes que eu pudesse.
- E Barcelona, Ana?
- Não sei, amor. Tinha tudo planejado, e essa vontade não passa, mas eu tenho outros planos na frente.
- Amor?
- Amor.
E roubei o cigarro dele outra vez. E ele tirou de mim mais uma outra.
- Não quero você com câncer.
Nunca me quis com câncer também. Já me imaginei com câncer, mas querer, nunca quis. E estava tão frio do lado de fora daquela estação de metrô numa quinta-feira às sete horas da noite, que qualquer câncer era bem-vindo.
Talvez ocupasse o vazio que eu tinha no peito.
- Amor. Olha o som do metrô. Eu tenho que ir.
E me agarrou. Não me agarrou, me abraçou e me beijou com tanta força como quem quisesse remediar. Eu não quis abrir os olhos.
Mas eu abri, e os dele já estavam abertos.
E eu pensei: "Ah. Todos iguais".

Ele tinha uma tatuagem de pirâmide à mostra no braço direito. Aquela regata vermelha lhe caia bem. Sabia as palavras certas nos tempos certos. Tinha algumas marcas de expressão na testa contrastando com uma barba-por-fazer extremamente íntegra, era querido porque eu simplesmente o quis.
Mas ele abriu os olhos.
Eu o empurrei.
- Não.
E ele não sabia o que eu queria.
Não sabia qual era a cor dos meus olhos.
E não sabia tragar.

Amor é um adjetivo. Os que abrem os olhos e não tragam têm menores chances de um câncer.
Amor é um verbo no infinitivo. Os que fecham os olhos e tragam têm maiores chances de um vazio no peito.

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Ahá.