2 de setembro de 2010

Você confia demais em teorias concretas

Tragédias, ou o que você consideraria tragédia se o acontecimento terminasse de acontecer, são frequentemente assistidas por mim.
Só nessas duas semanas que se passaram, eu assisti duas. Três, mas como sou eu quem assisto, a minha não conta.

Então, em duas madrugadas, eu passei no hospital.
As duas com expectativas.
As duas com expectativas diferentes.
Uma, foi a minha irmã. A outra, a minha avó. E você já deve saber que as duas estão vivas; ainda não escrevi nada para elas aqui ou em outro papel qualquer.
Uma desses acontecimentos-quase-trágicos, estava prestes ao fim ontem.

Éramos três sentados em cadeiras cinzas enfileiradas na frente de uma sala de gesso.
Eu, o Pedro, e mãe do Pedro.
Eu, o Pedro, e mãe do Pedro não nos conhecemos. E eu, sinceramente, não senti vontade alguma de conhecê-los.
Ele era hiperativo, e ela, tinha sombrancelhas grossas.
Passamos os 10 minutos iniciais naquelas cadeiras com toda a paciência e disposição do mundo. Comecei catando pêlos de gato branco em minha blusa preta, mas não tenho unha nem paciência para isso.
O Pedro começou cantando.
A mãe do Pedro, começou prestando atenção na letra.

Eu e o Pedro estávamos separados por uma cadeira de distância - de sabe-se lá quantos centímetros - mas era o suficiente para ele começar a atirar bolinhas de papel de nota fiscal em mim.
- Pede desculpa, Pedro! - a mãe exclamava de cinco em cinco minutos - Pede!
- Desculpa. - e Pedro pedia fazendo bico.
Sorri. Gosto de hospitais, mas não de esperar. E não queria criar intimidade alguma com uma criança de, no máximo, sete anos, e o pior: com a mãe dessa.

O Pedro passou os minutos seguintes em pé, dançando qualquer coisa, e eu, olhando para cada detalhe que dava para se ver em dois segundos.
Cada detalhe que dava para se ver em uma porta entreaberta de uma sala de espera de gesso.
Cada detalhe de quem passava em passos largos e rápidos por ali.
Só que o Pedro cansou, e perguntou o que eu estava fazendo.
E eu respondi, de forma resumidíssima, o que acabei de escrever: "olhando quem passa".

Pensei que a reação fosse outra, mas Pedro sentou ao meu lado (agora, com alguns centímetros de distância - menos que antes), e começou a olhar também.
E começou a conversar comigo, sem deixar eu responder o que o próprio perguntava, mas eu gostava de ouvir sobre o que ele achava do movimento do cabelo da moça loira que passou.
A mãe do Pedro, começou a ouvir o que ele falava, e reparar em tal movimento também.

Não mais de 3 minutos disso acontecer, uma maca passou.
E tinha um ser sangrando e chorando nela.
Eu arregalei os olhos.
O Pedro também.
A mãe do Pedro, não.
Depois, algumas pessoas, quase todas de branco, desesperadas. Uma se perguntando, em alto e bom tom - o suficiente para deixar as pessoas assustadas - " e agora?! E agora?!"
Eu olhei pro Pedro.
O Pedro não desgrudava os olhos, grandes, da porta entraberta.
E a mãe do Pedro, também.
Passaram depois, pessoas normais.
Mais desesperadas que todos esses que tinham passado.
"É agora!" um gritou.
Pedro forçou a coluna para ver com detalhes, em dois segundos, o rosto do homem que tinha dito isso. Fiquei com vontade de perguntar como eram, mas não consegui falar. Não quis.

Não foi uma cena horrível: você vê isso em seriados quase todo dia.
Mas, oras, era real.
Algum tempo depois, minha irmã não tinha saído do consultório. Dizia que ia demorar mais um pouco.
O Pedro, voltou a cantar.
Eu, a "contar átomos" ou pêlos, como quiser.
E a mãe do Pedro, tinha arrumado algo melhor para fazer.
Até que, todo mundo, junto, todos de branco e todos os normais voltaram. Juntos.
Quase não tão desesperados quanto antes, mas ainda assim, desesperados.

E, depois, voltou a maca.
O lençol, sendo branco.
Agora, com manchas. Mas branco.
As rodinhas ainda faziam barulho.
Só que, agora, além de estar com manchas, não tinha ninguém em cima dela.

O Pedro olhou, e voltou a cantar.
Eu olhei, e voltei a contar átomos.
A mãe do Pedro olhou, e arregalou os olhos.

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Ahá.