Ouvia, da cozinha, um barulho. Não sabia ao certo se eram passos ou os ovos fritando. Possivelmente os dois. Quando saio do cinema gosto de silêncio, para poder sentir a tal da depressão pós filme a fundo.
E o de hoje foi Hitchcock.
Me fez seriamente crer que eu só consiga ter sucesso em todos os sentidos da vida quando conseguir achar uma pessoa companheira. Não um amante, apaixonado, esposo. Um admirador.
Porque, particularmente, eu não sou das pessoas mais normais do mundo. Muito pelo contrário. Considero-me até um tanto estouradinha, teimosa e preguiçosa demais. Não sou tão fácil de lidar quanto parece. Talvez por isso eu tenha, seriamente (repito) acreditado nisso.
Mas coisíssima nenhuma. Estou me apaixonando a cada esquina, a cada filme, a cada cheiro. Se souber de algo torno a escrever de novo.
Eis que o barulho cessa e ouço uma voz grossa, masculina:
- Ana Julia? É você?
Não respondo imediatamente por estar com o rosto imerso na água quente. Levanto e com paciência torno a conversar:
- Sim!
- Tu chegou tarde hoje.
- Mas cheguei, ham?
Enxuguei o rosto e abri os botões e zíper da calça preta de brim. Minha favorita, talvez a que use mais, embora ela esteja começando a rasgar na parte interna das coxas. "Malditas coxas grossas", pensei. Dupliquei meus castigos abdominais.
Tirei a calça e dei uma olhada nas celulites, na tatuagem nova.
Mas chega de abdominais.
Joguei a calça no chão e ao fazê-lo percebi que tinha esquecido o maço de cigarros dentro do bolso traseiro. Ando meio Constantine esses dias. E isso não interessa.
O homem de voz grossa andou pelo corredor para me ver e deu um sorriso:
- Você parece irritada.
- É?
- É por causa do seu aniversário, da sua tatuagem, ou por que eu descobri que você anda fumando que nem uma infeliz por aí?
Dei um sorriso encabulado:
- É que é segunda.
Um comentário:
Ah, naquele dia, querido
voltei pra casa com você
[na cabeça]
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Ahá.