Ele costumava cozinhar para mim, e isso me fazia sorrir.
Gostava muito de fazer fondue e omelete de agrião, e dificilmente acertava o ponto do omelete, mas quando acertava, dava-lhe um beijo na testa. Carinho, assim, que nem ele demonstrava comigo.
Ele apreciava muito o paladar, e falava muito do gosto do meu beijo. Seja ele na testa, seja ele na boca. Dizia que tinha um sabor que nenhum gourmet consegueria imitar.
Ia aos sábados para a casa dele, comíamos, víamos um filme, e eu ia embora.
Eu sempre levava o filme.
Ele morava perto de mim.
Eu costumava levar Hitchcock; na época em que eu ainda tinha como meta assistir todos os filmes.
A gente chegou muito perto, muito perto mesmo. Mas até hoje - e faz um tempo que isso aconteceu - eu não terminei de ver todos os filmes do Hitchcock.
Nós não terminamos a lista de filmes porque o paladar é o sentido que enjoa mais fácil.
E comíamos e víamos filmes.
Então, num sábado quente, paramos de comer. E o sentido que é a visão, não enjoou dos mistérios.
Então, num sábado frio, a fotografia do Hitchcock foi trocada por alguns olhares no sofá amarelo da sala.
Daí, o sentido que é a visão, enjoou.
E nós tocávamos alguns instrumentos, sussurrávamos mentiras e ríamos, ríamos.
Passou um tempo, e só sobrou o tato.
E quando nós percebemos que não passava de uma coisa carnal, já não era mais sábado, e nós não tínhamos mais o que fazer.
Acaba assim,
quando tem que durar.
2 comentários:
Mas que coisa linda, Ana Julia!
Achei demais.
Infelizmente uma experiência muito próxima de uma própria.
Adorei!
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Ahá.